Dual Track: A Jornada da descoberta e entrega no desenvolvimento de produtos
Como compartilhei aqui [Gestão de Produtos: Equilibrando o Possível, Viável e Desejável], sigo na minha cruzada pelos novos caminhos do aprendizado e da experiência, agora com um maior foco no desenvolvimento de produtos. E nesta jornada, além de muita prática, com a realidade do nosso dia a dia na Valcann, tenho também buscado me aprofundar na fundamentação teórica do tema, no que está por trás de cada uma das práticas, ferramentas e conceitos dessa disciplina.
Posso dizer que o desenvolvimento de produtos é como uma grande aventura cheia de perguntas. E nesta aventura, se eu pudesse sugerir um mapa, um norteador deste processo, elegeria o Dual Track.
O Dual Track é uma abordagem de desenvolvimento de produtos que trata os processos de Discovery e Delivery como atividades paralelas, porém complementares. No modelo tradicional de desenvolvimento, é comum que se faça uma fase de planejamento inicial (Discovery) para, depois, iniciar o desenvolvimento (Delivery). Já no Dual Track, esses dois processos correm de forma simultânea e contínua, permitindo que o aprendizado do Discovery alimente o Delivery e vice-versa, de forma mais dinâmica e iterativa.

Visão geral da abordagem
A abordagem do Dual Track combina os processos de Discovery e Delivery, e nos ajuda a navegar por esse labirinto que é desenvolver um produto. Esses dois caminhos são como os dois lados da moeda: um foca em descobrir o que precisa ser feito, o outro, em garantir que isso seja entregue da melhor forma possível. O equilíbrio entre essas duas dimensões é o que nos leva ao sucesso.

Discovery de Problema
Mas, vou te contar, o lado do Discovery — onde tudo começa — é especialmente desafiador. É o espaço onde as ideias tomam forma, mas também onde enfrentamos o caos da incerteza. Aqui, estamos lidando com o famoso “será que…?”. Será que os clientes vão gostar disso? Será que vamos conseguir gerar receita com essa solução? Ou, no segundo estágio do Discovery: será que dá para construir isso? As pessoas vão saber como usar?
Essas são as perguntas que guiam nosso processo. Richard Feynman, a quem sempre faço questão de referenciar, nos ensinou que o caminho para encontrar respostas começa com uma suposição. Primeiro, fazemos uma hipótese, depois, experimentamos, testamos e comparamos com a realidade. Se der certo, avançamos. Se não, voltamos à prancheta e tentamos de novo. A questão é que, ao contrário do que muitos podem pensar, essa primeira suposição não é fácil. A confiança gerada pelo desconhecimento é uma armadilha traiçoeira. E aqui entra uma frase que costumo dizer:
“A suposição, ainda que a primeira etapa da ciência, nunca deve subestimar a confiança gerada pelo desconhecimento.”
Esse “desconhecimento” pode nos levar a pensar que sabemos mais do que realmente sabemos, um fenômeno muito bem explicado pelo Efeito Dunning-Kruger, que eu abordei aqui [O efeito Dunning-Krugger no processo de aprendizagem da Ciência da Computação]. Quando somos inábeis em algo, não temos a consciência necessária para reconhecer o quão inábeis somos. Em resumo, quanto menos sabemos, mais confiantes somos. Isso acontece no desenvolvimento de produtos o tempo todo.
No início, quando uma ideia parece brilhante, ficamos empolgados, mas ainda não sabemos o suficiente para ver as armadilhas e desafios à frente. Às vezes, a gente acredita que o problema está claro, que a solução está óbvia, e é aí que o Discovery nos humilha (no bom sentido). É por isso que o Discovery de Problema é tão importante. Ele nos obriga a parar e realmente questionar: “Isso é algo que as pessoas realmente querem? Elas vão pagar por isso? Estamos resolvendo o problema certo?”
Discovery de Solução
Depois disso, vem o Discovery de Solução, que é onde nos perguntamos: “Agora que achamos o problema certo, será que dá pra resolver de forma eficiente? A solução vai ser intuitiva para os usuários? Será que nossa tecnologia dá conta?” Nessa jornada, precisamos estar abertos para críticas e prontos para mudar quando as evidências nos mostram que estamos errados. E isso me leva a uma outra reflexão: se desde cedo fôssemos ensinados a abraçar o criticismo e mudar diante de novas evidências, como disse antes, nossa sociedade seria muito diferente.
Essa abertura para o novo é o coração do Discovery. No fundo, não estamos apenas descobrindo um produto; estamos descobrindo mais sobre o problema, sobre a nossa capacidade de resolvê-lo, e, principalmente, sobre nossas próprias limitações. E quando finalmente passamos pelo Discovery e entramos no Delivery, não estamos apenas construindo um produto. Estamos construindo algo que foi testado e validado pelo caminho, e com a humildade de quem sabe que sempre pode aparecer uma nova evidência que nos fará repensar. Porque, como Feynman falou, “não é a lei em si que importa, mas como ela se compara à realidade”.
Podemos concluir que o Dual Track não é apenas um processo de design ou desenvolvimento. É um processo de autoconhecimento. E enquanto você estiver disposto a testar, errar e aprender com o que o mundo te mostra, estará no caminho certo para construir algo que realmente importa.
Delivery
Se o Discovery é o espaço da incerteza e das perguntas difíceis, o Delivery é o palco da execução e da entrega concreta. No processo de desenvolvimento de produtos, o Delivery é onde as ideias descobertas e validadas ganham forma, saem do papel e chegam às mãos dos usuários. No entanto, isso não significa que o Delivery seja apenas execução mecânica; pelo contrário, é um processo que exige tanto cuidado, adaptação e aprendizado quanto o Discovery.
A essência do Delivery é garantir que as soluções identificadas no Discovery sejam implementadas com qualidade, eficiência e foco nos objetivos definidos. É nesse momento que entram as práticas de engenharia, gestão de projetos, metodologias ágeis e, sobretudo, uma mentalidade de melhoria contínua. Aqui, o trabalho em equipe se torna vital, pois é a colaboração entre designers, engenheiros, gerentes de produto e outras partes interessadas que transforma visões abstratas em produtos reais e impactantes.
Um aspecto crítico do Delivery é o feedback constante. Apesar de ser um processo de execução, ele não deve estar isolado de novas descobertas. Ferramentas como métricas de desempenho, indicadores de sucesso e interações diretas com os usuários ajudam a identificar melhorias e ajustes necessários, criando um ciclo de aprendizado contínuo que conecta o Delivery ao Discovery.
Além disso, o Delivery nos lembra da importância do equilíbrio entre escopo, prazo e qualidade. Muitas vezes, é necessário priorizar e negociar, entregando versões incrementais que resolvam os problemas principais enquanto pavimentam o caminho para melhorias futuras. Esse processo não é um reflexo de falta de planejamento, mas sim da realidade dinâmica que caracteriza o desenvolvimento de produtos.
Conclusões
O Dual Track não é apenas uma metodologia; é uma filosofia de trabalho que combina o rigor do Discovery com a disciplina do Delivery. Essa abordagem nos ensina que o sucesso no desenvolvimento de produtos não depende apenas de boas ideias ou de execuções impecáveis, mas da capacidade de integrar aprendizado e construção em um ciclo contínuo e dinâmico.
O Discovery nos desafia a enfrentar a incerteza, a questionar nossas suposições e a abraçar o criticismo como parte do crescimento. Já o Delivery nos convida a transformar essas descobertas em realidade, mantendo a mente aberta para ajustar e melhorar sempre que necessário. Juntos, esses dois processos criam um fluxo que não apenas entrega produtos funcionais, mas soluções significativas que realmente impactam a vida das pessoas.
No final, o Dual Track nos mostra que o desenvolvimento de produtos é, antes de tudo, uma jornada de aprendizado e evolução. Ao equilibrar o possível, o viável e o desejável, somos capazes de construir não apenas produtos, mas também processos e equipes melhores. E isso, mais do que qualquer outra coisa, é o que torna o trabalho de desenvolvimento de produtos tão desafiador e recompensador.
Referências
[1] C. D. C. P., "Gestão de Produtos: Equilibrando o Possível, Viável e Desejável," Blog. Disponível em: https://www.cdiego.com. Acesso em: 18 set. 2024.
[2] R. P. Feynman, O Fantástico Sr. Feynman. Documentário. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BHoPO4qrRGA. Acesso em: 18 set. 2024.
[3] D. Dunning e J. Kruger, "Unskilled and unaware of it: how difficulties in recognizing one’s own incompetence lead to inflated self-assessments," Journal of Personality and Social Psychology, vol. 77, no. 6, pp. 1121–1134, 1999. DOI: 10.1037/0022-3514.77.6.1121.
[4] C. D. C. P., "O efeito Dunning-Kruger no processo de aprendizagem da Ciência da Computação," Blog. Disponível em: https://www.cdiego.blog. Acesso em: 18 set. 2024.
[5] J. Gothelf, Lean UX: Applying Lean Principles to Improve User Experience. Sebastopol: O’Reilly Media, 2013.
[6] T. Brown, Change by Design: How Design Thinking Creates New Alternatives for Business and Society. Nova York: Harper Business, 2009.
[7] R. K. Yin, Case Study Research: Design and Methods. 5th ed. Thousand Oaks: SAGE Publications, 2014.
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