O efeito Dunning-Krugger no processo de aprendizagem da Ciência da Computação
Do começo...
Eventualmente, sou questionado por algum colega de profissão se eu já senti — ou sinto — aquela sensação de que quanto mais estudamos sobre uma tecnologia, mais sentimos que não sabemos nada sobre ela. Essa sensação é muito comum em profissionais e estudantes de Ciência da Computação, em especial quando do processo de aprendizado de alguma nova tecnologia ou disciplina. Talvez pela natureza dessa área de estar em constante mudança e, por consequência, requerer o estudo e atualização contínua. Dunning-Krugger definiram essa sensação como o “Vale do Desespero” [Imagem 1].Imagem 1 — Vale do Desespero, Efeito Dunning-Krugger [1]
Os efeitos do desconhecimento
Em “Unskilled and Unaware of It: How Difficulties in Recognizing One’s Own Incompetence Lead to Inflated Self-Assessments” [1], os pesquisadores Justin Krugger e David Dunning estudaram como se dá o processo de reconhecimento de habilidades e como isso é parte relevante no aprimoramento e desenvolvimento em qualquer campo do conhecimento. A pesquisa resultou na formulação do conceito “Efeito Dunning-Krugger”:
O efeito Dunning-Krugger é o fenômeno pelo qual indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto acreditam saber mais que outros mais bem-preparados, fazendo com que tomem decisões erradas e cheguem a resultados indevidos; é a sua incompetência que os restringe da habilidade de reconhecer os próprios erros.[1]
O estudo realizou uma série de experiências, cujos resultados foram publicados e constataram que “a ignorância gera confiança com mais frequência do que o conhecimento.”
“Se você é incompetente, você não consegue saber que é incompetente (…) [A]s habilidades necessárias para fornecer uma resposta correta são exatamente as habilidades que você precisa ter para ser capaz de reconhecer o que é uma resposta correta. No raciocínio lógico, na educação dos filhos, na administração, na resolução de problemas, as habilidades que você usa para obter a resposta correta são exatamente as mesmas habilidades que você usa para avaliar a resposta. Portanto, nós demos continuidade a investigações para apurar se a mesma conclusão poderia ser verdadeira noutras áreas. E para nossa surpresa, era bem verdadeira.” [2]
No campo da Ciência da Computação, assim como na Medicina, a especialização em uma determinada disciplina parte de um arcabouço generalista demasiadamente amplo. Ou seja, mesmo para a prática da Clínica Geral, por exemplo, é requerido um amplo conhecimento sobre um vasto número de disciplinas. Igual correlação é feita na Ciência da Computação, o que, por diversas vezes, gera a sensação do “Vale do Desespero”.
Dunning-Krugger definem essa sensação — que Sócrates já afirmara com a assertiva “só sei que nada sei” — como parte fundamental do processo de aprendizado. O reconhecimento das próprias limitações em um dado campo da ciência ou disciplina, gerará a busca natural por aprofundamento neste. Entretanto, na medida em que se evolui no estudo sobre um tema, maior pode ser a sensação de que o “Vale do Desespero” vai ficando cada vez mais profundo.
Mas quando saber se eu sei algo, de fato?
A síndrome do impostor
Assim como Dunning-Krugger constataram que a ignorância gera uma superioridade ilusória, a maestria invariavelmente gera a inferioridade ilusória, onde o estudante sobre determinado tema, consciente do quão profunda determinada disciplina é, pode duvidar das próprias habilidades.
(…) Estas pessoas sofrem de superioridade ilusória. Em contrapartida, a competência real pode enfraquecer a autoconfiança e algumas pessoas muito capacitadas podem sofrer de inferioridade ilusória, achando que não são tão capacitados assim e subestimando as próprias habilidades, chegando a acreditar que outros indivíduos menos capazes também são tão ou mais capazes do que eles. A esse outro fenômeno dá-se o nome de síndrome do impostor [3].
Como aprender sobre qualquer coisa
Para auxilar neste processo de autoconhecimento sobre o quão amplo é nossa maestria sobre um tema, uma das técnicas mais interessantes a qual tive a oportunidade de aplicar é a “Técnica Feynman”, criada pelo físico Richard Feynman. Feynman foi um físico teórico norte-americano do século XX, um dos pioneiros da eletrodinâmica quântica e ficou conhecido pelos seus trabalhos no ramo da formulação integral da mecânica quântica. [4]
Além de físico, Feynman era conhecido pela sua capacidade de aprender — e eventualmente dominar — diferentes campos da ciência ou do conhecimento geral. Além de físico, ele foi um exímio artista plástico, músico — seu instrumento predileto era o Bongo — entre outros tantos. Para aprender — e avaliar se dominava tal disciplina — Feynman criou uma técnica simples, mas que se mostrou extremamente eficaz, na qual por meio de 4 passos, é possível aprender sobre qualquer coisa.
Imagem 2 — A Técnica de Feynman [5]
A Técnica Feynman [5] está resumida ao fluxo:
- Escolha um conceito
- Escreva-o como se estivesse ensinando a uma criança
- Volte no tema e pesquise sobre ele
- Revise e simplifique ainda mais
Considerações finais
Então, certamente a sensação do “Vale do Desespero”, por vezes vivenciada por mim, mesmo depois de 20 anos de experiência, ou mesmo por meus colegas de profissão e da academia, é absolutamente natural e, eu diria, salutar. Saber que não se sabe nada, como bem afirmou Sócrates, é a base da ciência e do conhecimento humano.
Como costumo dizer, cientificidade é o que nos falta nos tempos atuais. A pura e simples metodologia da pesquisa ciêntífica, da observação, da busca pelo conhecimento, é o que nos falta. Se desde cedo fôssemos ensinados a abraçar o criticismo e a mudar diante de novas evidências, nossa situação como sociedade e seres humanos seria outra.
Referências
[1] Justin Krugger; David Dunning (1999). «Unskilled and Unaware of It: How Difficulties in Recognizing One’s Own Incompetence Lead to Inflated Self-Assessments». Journal of Personality and Social Psychology. 77 (6): 1121–34. PMID 10626367
[2] Errol Morris (2010). «The Anosognosic’s Dilemma: Something’s Wrong but You’ll Never Know What It Is (Part 1)». Disponível em: https://opinionator.blogs.nytimes.com/2010/06/20/the-anosognosics-dilemma-1/?_r=0.
[3] Fehlhaber, Kate; Fernanda Sucupira (tradução) (2 de junho de 2017). «O que os sabe-tudo não sabem, ou a ilusão da competência». Nexo Jornal. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/externo/2017/06/02/O-que-os-sabe-tudo-n%C3%A3o-sabem-ou-a-ilus%C3%A3o-da-compet%C3%AAncia.
[4] Richard Feynman, biografia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Richard_Feynman.
[5] 4 passos para aprender tudo que você quiser, segundo um Nobel da Física. BBC News Brasil, 12 de Julho de 2016. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-36750825.
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